“Ela é maravilhosa. É looooooira, magra, linda!”. Foi o que eu escutei um dia desses em um bate-papo alheio (sim, estava de ouvido grande na conversa dos outros) quando alguém questionou a entrevistadora sobre uma possível candidata a uma vaga de emprego na área de moda. Pasmem, pois não é nenhum cargo como modelo em que competências físicas fazem parte dos pré-requisitos.
Fiquei matutando essa fala em minha cabeça, a empolgação e deslumbramento na qual ela disse “magra”, “linda” e, principalmente, “looooira”. Pois é, minhas caras e meus caros, em terras tupiniquins, o que pude constatar é que a tal pretendente tem uma espécie de “chave para o sucesso gratuito”. Um perfil altamente idealizado e, para alguns, passa por uma blindagem que fica acima do bem e do mal.
Precisei dessa história para chegar a um dos pontos da minha conversa: o caso de suspeita de racismo ocorrido na loja Aquamar do Bangu Shopping, no qual a jovem Thainá Christina da Rocha e sua mãe Leila Christina da Rocha foram acusadas injustamente de roubo pela subgerente da marca. O vídeo, que viralizou nas redes sociais, mostra uma mãe extremamente nervosa e com um alto nível de descontrole que tenho certeza que a minha e a sua também estariam em defesa de sua filha e de sua índole. Provavelmente a funcionária da marca, assim como outros milhares de brasileiros, também assume pra si o mais que repetido conceito do racismo velado. Uma sociedade que em sua maioria julga pela aparência, criminaliza a população negra e pobre (afinal, uma coisa não necessariamente se relaciona a outra) e reafirma mais uma vez nossa forte herança escravista. A repitada fala de Leila “Só porque ela é preta”, não é nenhum tipo de coitadismo. Infelizmente é uma verdade que afeta tanto os moradores da Rocinha, que já se disseram “perseguidos” ao entrarem no Fashion Mall, shopping de luxo de São Conrado, quanto em centro de compras da zona oeste como foi o caso. Para a discriminação não existe zona sul/zona norte, mas existe constrangimento, estereótipos.
Junto ao “caso Thainá”, outro acontecimento que eclodiu nos últimos dias foi a morte do jovem americano Michael Brown de 18 anos, que estava desarmado, se rendeu, mas mesmo assim foi morto por uma policial em Ferguson, estado de Missouri. O episódio tem gerado uma onda de tensão racial em todo os Estados Unidos, com direito a bombas de gás lacrimogênio, fuzis e carros blindados, coisas não tão comuns em terras do Tio Sam. Mas trazendo o fato para a nossa realidade, o que muito me chamou atenção foi um debate que acompanhei sobre o caso na Globo News. Um discurso bacana, inteligente, cheio de teorias, utópico… mas entre os participantes, NÃO HAVIA NENHUM NEGRO! Falta de experts no assunto? Não mesmo. A presença do negro é tão natural em áreas como o futebol e a música, mas por outro lado, “camuflam” nossa presença em discussões com o devido tom de complexidade, o que passa ser natural nossa ausência em rodas de assuntos sócio-políticos. Apenas por ter um bom domínio do contexto histórico, as pessoas acham que entendem e ponto. Não é assim, há um lado emocional que é extremamente importante, acalora o debate e deve ser levado em conta, sim. Afinal, um relato/depoimento pessoal pode valer muito mais que teses já prontas.
Esse “lado emocional” também está presente em uma coisa que parece simples e corriqueira (chata e burocrática), mas que também tem gerado pano para a manga: as fotos de passaporte da Polícia Federal, que não reconhecem o cabelo Black Power. Não, a questão aqui não é burlar uma norma de segurança, que serve mesmo para ser cumprida. Mas que tal pensar em um sistema que mesmo que exija condições essenciais como manter as orelhas à mostra, não interfira totalmente na identidade da pessoa? Ok, foto de documento não tem o propósito de ser bonita, isso é mais que sabido, mas prender de qualquer jeito um cabelo crespo, entra em pontos que vão muito além de uma pura simples vaidade, afeta sim nossos códigos visuais, fere a nossa imagem e alfineta a autoestima de um povo que constantemente luta para obter igualdade e que sua a sua real beleza seja reconhecida.
Mais que uma questão de racismo, é sensibilidade, é uma coisa de pele!
este Sim, é coisa de pele: O racismo velado na moda e na sociedade é um conteúdo original Modices.